Narcolepsia: a doença do sono que 'desliga' o corpo a qualquer momento

A narcolepsia é uma doença neurológica crônica que afeta o controle do sono e da vigília. Pessoas com essa condição sentem sonolência extrema durante o dia e podem ter episódios incontroláveis de sono, adormecendo repentinamente em qualquer situação, como no trabalho, em conversas ou até dirigindo.

Isso acontece porque o cérebro tem dificuldade em regular o ciclo do sono, fazendo com que a pessoa entre rapidamente no sono REM (fase dos sonhos) sem passar pelas fases normais do descanso. Além da sonolência, a narcolepsia pode causar outros sintomas, como perda súbita de força muscular (cataplexia), paralisia do sono e alucinações ao adormecer ou acordar.

A doença pode interferir na vida pessoal, no ambiente profissional e nas relações sociais, pois os episódios de sono incontrolável e os outros sintomas podem ser incapacitantes. Embora não tenha cura, a narcolepsia pode ser controlada com medicamentos e mudanças no estilo de vida, como estabelecer uma rotina de repouso regular e tirar cochilos estratégicos ao longo do dia.

Quais as causas do excesso de sono

A narcolepsia ocorre porque o cérebro tem dificuldade em controlar o ciclo sono-vigília (ou seja, o estado de dormir e o de estar acordado) devido, em sua maioria, à deficiência ou ausência da hipocretina (orexina), um neurotransmissor responsável por regular esse processo.

Quando os níveis dessa substância estão muito baixos ou ela está ausente no organismo, o cérebro não consegue manter a pessoa desperta por muito tempo. Isso faz com que ela adormeça de forma repentina e sem controle, mesmo durante o dia, como se o corpo "desligasse", sem querer.

Além disso, alguns problemas no sistema nervoso, como tumores cerebrais, lesões ou AVCs (acidentes vasculares cerebrais), podem afetar as áreas do cérebro que controlam o sono e a vigília, podendo desencadear sintomas semelhantes. Acredita-se ainda que fatores genéticos e doenças autoimunes também possam influenciar no aparecimento da condição.

Em que idade é mais prevalente

A narcolepsia geralmente se manifesta na adolescência ou no início da idade adulta, com maior prevalência entre 10 e 25 anos, mas pode se manifestar em qualquer idade. Em alguns casos, os sintomas podem surgir na infância, mas isso é menos comum. O início precoce da doença pode, muitas vezes, ser confundido com outros distúrbios do sono ou até com questões relacionadas à saúde mental.

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Imagem: Getty Images

Sintomas afetam o corpo inteiro

Sonolência extrema durante o dia: é o principal sintoma da narcolepsia, fazendo com que a pessoa adormeça de forma repentina e inesperada, independentemente do horário, do local ou da atividade que esteja realizando. No entanto, como esse sintoma não é exclusivo, pode ser confundido com outras causas, como estresse ou falta de sono, o que dificulta o diagnóstico, especialmente nas fases iniciais da condição.

Alucinações: são sensações intensas e falsas, que podem ser auditivas (ouvir coisas que não existem) ou visuais (ver coisas que não estão lá). Elas geralmente ocorrem ao adormecer ou ao acordar, durante o momento de transição entre o sono e a vigília. Esses episódios são comuns em pessoas com narcolepsia devido à forma como o cérebro mistura as fases do sono.

Cataplexia: é outro sintoma que se manifesta em alguns casos, caracterizando-se por uma perda repentina de força muscular. Durante um episódio de cataplexia, a pessoa permanece consciente, mas não consegue se mover nem falar. Enquanto a sonolência excessiva pode ser confundida com outras condições, a presença da cataplexia é um sinal claro de narcolepsia, ajudando a confirmar o diagnóstico da doença.

Sono fragmentado e de má qualidade: embora as pessoas com narcolepsia durmam muitas horas, elas não necessariamente conseguem ter uma boa qualidade de sono noturno devido à fragmentação das fases do sono. Essa irregularidade pode deixar a pessoa ainda mais cansada e sonolenta durante o dia.

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Paralisia do sono: quando uma pessoa com narcolepsia acorda, o cérebro pode despertar antes do corpo. Isso acontece porque, durante o sono REM (fase em que sonhamos), o cérebro "desativa" os músculos para impedir que a pessoa se mova enquanto sonha. Como resultado, ao acordar, a pessoa sente dificuldade de se mover ou falar. Os episódios de paralisia do sono geralmente duram entre um e 10 minutos.

Portanto, se uma pessoa apresenta esses sintomas, é importante que procure ajuda de um neurologista ou de um médico especialista em sono para realizar exames e iniciar o tratamento adequado.

Diagnóstico envolve diferentes exames

O diagnóstico da narcolepsia não pode ser feito apenas com base nos sintomas, pois diversas condições também causam sonolência excessiva. Por isso, além de analisar as queixas dos pacientes, os médicos solicitam exames detalhados para avaliar o padrão de sono e confirmar se a causa é, de fato, essa doença neurológica. Na lista dos principais exames requisitados, aparecem:

Polissonografia (PSG): realizado em um laboratório do sono, permite que a pessoa durma com sensores no corpo que monitoram a atividade cerebral, os movimentos musculares e a respiração durante a noite. Ele ajuda a detectar se o sono está desregulado e se há interrupções frequentes.

Teste de latências múltiplas do sono (TLMS): é realizado no dia seguinte à polissonografia. A pessoa faz pequenos cochilos controlados ao longo do dia, enquanto máquinas registram quanto tempo ela leva para dormir e em qual fase do sono entra primeiro. Se a pessoa adormece muito rápido e entra direto no sono REM, isso é um forte indício de narcolepsia.

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Dosagem de hipocretina (orexina): esse exame mede os níveis da hipocretina (orexina), que é a substância responsável por regular o ciclo de sono-vigília. Ele é feito a partir de uma punção lombar, em que é retirada uma amostra do líquido da medula espinhal para verificar se há deficiência dessa substância. É um exame raro de ser feito e mais indicado em casos específicos, principalmente quando outros exames não são conclusivos.

Tratamento visa manter o cérebro desperto

Embora a narcolepsia não tenha cura, é possível controlá-la com medicamentos e ajustes no estilo de vida. O tratamento deve ser personalizado e orientado conforme a resposta de cada paciente por um neurologista ou médico especialista em sono. O objetivo é reduzir os episódios de sonolência excessiva, controlar os sintomas como cataplexia e alucinações e melhorar a qualidade de vida.

Como as pessoas com narcolepsia sentem sono excessivo durante o dia, o médico pode receitar remédios que estimulam o cérebro a ficar acordado e funcional. Os mais comuns são:

Modafinila (Provigil): estimulante leve, melhora o estado de alerta e reduz o cansaço.

Metilfenidato (Ritalina): aumenta a atenção e a energia, usado também para TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade).

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Dextroanfetamina (Dexedrine): estimulante mais forte, indicado em casos mais graves.

Agora, para ajudar nos casos que envolvem episódios de fraqueza muscular repentina (cataplexia), alucinações e paralisia do sono, o médico pode prescrever antidepressivos específicos, que regulam os neurotransmissores do cérebro e reduzem esses sintomas:

Fluoxetina (Prozac) ou Sertralina (Zoloft): usados para diminuir os episódios de cataplexia.

Protriptilina: ajuda a regular o sono e reduzir alucinações.

Oxibato de sódio: remédio específico para narcolepsia, usado antes de dormir para melhorar a qualidade do sono e diminuir a sonolência durante o dia.

Além dos medicamentos, ajustar a rotina diária é fundamental para o controle da narcolepsia. Algumas recomendações incluem:

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Tirar cochilos programados: pequenos cochilos de 15 a 30 minutos ao longo do dia ajudam a reduzir a sonolência excessiva;

Manter uma rotina de sono regular: dormir e acordar nos mesmos horários todos os dias;

Evitar refeições pesadas: alimentos gordurosos ou pratos muito grandes aumentam a sonolência;

Não consumir álcool e cafeína à noite: a álcool pode atrapalhar a qualidade do sono, enquanto a cafeína pode desregular o ciclo do sono;

Praticar exercícios físicos: atividades leves ajudam a manter a disposição e melhorar o sono excessivo.

Fontes: Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria); Júlio Leonardo Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião pela Santa Casa de Belo Horizonte; Natasha Consul Sgarioni, neurologista especialista em distúrbios do movimento pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Clínica Mantelli; Clarice Fuzi, pneumologista e especialista em medicina do sono do Hospital Nipo-Brasileiro (HNIPO).

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