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Goiás fura a fila da IA com lei pioneira às vésperas de discussão na Câmara

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Enquanto a Câmara dos Deputados está prestes a começar a discutir o PL da IA, aprovado pelo Senado no ano passado, o governador Ronaldo Caiado "furou a fila" do debate nacional para fazer de Goiás o estado com a mais abrangente lei que regula a inteligência artificial

Ainda que atue em nível estadual, o texto chega a uma dimensão que a legislação brasileira talvez nem sonhe atingir. Os propósitos dos dois textos, aliás, são diferentes —assim como são seus alcances. Mas, ao menos no caso de Goiás, a mensagem é clara.

Por um lado, o Congresso Nacional elabora uma lei espelhada na visão europeia de estabelecer obrigações para desenvolvedores conforme o risco de suas criações e até estipula a remuneração para donos de dados usados para treinar IAs. Goiás, por sua vez, mira um ambiente favorável à experimentação e à criação de novas tecnologias —sugere investir dinheiro público, ainda que como possibilidade, em data centers, sandboxes, contratação de IA aberta— e avança para uma regulação de agentes autônomos, por ora apenas uma aposta da indústria, ainda que promissora.

Outra coisa que Goiás não esconde é sua ambição.

Enquanto o governo federal ainda debate caminhos de fiscalização e foca nas restrições à tecnologia, Goiás está trabalhando para consolidar o estado como um polo nacional de inteligência artificial
Ronaldo Caiado, governador de Goiás
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No alvo, Caiado coloca a transformação de Goiás em um polo nacional e internacional de IA. Para isso, combina a retomada de uma rara liderança tecnológica nacional, esquecida com o passar dos tempos, com a aposta nos profissionais do futuro por meio da educação. É por isso que:

  • O software livre, uma modalidade em que o Brasil já foi expoente, volta a ser protagonista. Goiás dará preferência a modelos abertos de IA nas contratações públicas e até em programas de incentivo. Na era da IA, o conflito "open source X software proprietário" não só é revivido, como é transportado para o centro das quizilas atuais: o comportamento da IA. Acontece que...
  • ... As IAs abertas permitem um vislumbre de suas entranhas de modo a conseguirmos entender e mensurar, em certa medida, por que os robôs agem daquele jeito e até reorientar algumas de suas premissas. Além disso...
  • ... A IA entrará no currículo escolar das instituições públicas de Goiás e vai virar uma linha da capacitação técnica a partir do Ensino Médio e por meio do Sistema S. A lei prevê ainda preparação de empreendedores e requalificação para profissionais cujas ocupações foram afetadas pela automação da IA. Há ainda...
  • ... A previsão de levar IA para a saúde (vigilância epidemiológica e sanitária, distribuição de medicamentos, consultas, exames e diagnóstico) e o agro (o programa "IA no Campo - Agro-Tech Aberta Global" vai impulsionar startups e institutos de pesquisa a criar ferramentas para agropecuária sustentável). Já...
  • ... Do lado da experimentação, a lei prevê a criação do Centro Estadual de Computação Aberta e Inteligência Artificial, para estudantes, pesquisadores e startupeiros treinarem e criarem IA aberta de forma gratuita e o estabelecimento de sandboxes públicas, ambientes controlados para extrapolar as possibilidades de uma ferramenta antes de levá-la a público. Do lado da tecnologia raiz...
  • ... Goiás mira o futuro ao estipular uma regulação de agentes autônomos de IA e mira uma necessidade básica dos dias atuais com a atração de data centers. Há a previsão de incentivos fiscais e creditícios, simplificação de procedimentos administrativos e regulatórios, indicação de zonas prioritárias (com base em disponibilidade energética, segurança hídrica e conectividade) e a integração a outras políticas regionais de inovação. Vale lembrar que...
  • ... O governo federal está para tirar do papel um Plano Nacional de Data Center, que vai desonerar os investimentos para construção das centrais de dados e a importação de equipamentos para elas. De volta a Goiás...
  • ... O estado pretende garimpar relevância internacional por meio de acordos bilaterais de cooperação tecnológica, intercâmbio científico, atração de investimento externo para infraestrutura e abrindo as portas do mundo para empresas goianas. E...
  • ... No centro dessa estratégia, estará o NEI-IA (Núcleo de Ética e Inovação em Inteligência Artificial). Compostos por representantes do governo, da sociedade civil, da UFG e de empresas da área, o grupo atuará em todas as etapas da implantação da IA no estado, da proposta e acompanhamento de sandboxes até a recomendação de investimento aos órgãos públicos goianos.
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Na educação, vamos preparar os jovens para o futuro incluindo IA no currículo escolar. Na saúde, vamos usar a inteligência artificial para melhorar a gestão hospitalar. No agro, vamos buscar as tecnologias mais avançadas para aumentar a produtividade e a sustentabilidade. Já nos serviços públicos, a IA vai simplificar processos e torná-los mais acessíveis para todos
Ronaldo Caiado, governador de Goiás
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Apesar de fazer de Goiás o estado pioneiro em IA, a lei começou a ser concebida em outro lugar. E o PL de IA foi um gatilho para o processo.

Relembrando: antes mesmo da Europa, a Câmara dos Deputados aprovou em setembro de 2021 o primeiro projeto de lei para regular a IA. O texto caminhou para o Senado, onde foi soterrado pelo então presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que convocou uma comissão de juristas para elaborar outra proposta. Como não houve diálogo amplo com a sociedade, Abranet (Associação Brasileira de Internet) e ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade) lançaram uma consulta pública própria no 4º Congresso Brasileiro de Internet, em maio de 2024.

Além de circular na internet, o processo incluiu consultas setoriais e hackatons em edições da Campus Party. Adriano da Rocha Lima, secretário-geral do Governo de Goiás, foi um dos participantes da etapa de novembro do ano passado, que ocorreu em Goiânia. Ele gostou do que viu e propôs fazer dos resultados da consulta subsídios para uma futura legislação estadual. A partir daí, entraram na equação o Centro de Excelência em Inteligência Artificial da UFG (Universidade Federal de Goiás) e deputados estaduais.

Por tudo isso, a lei de Goiás não importou um modelo europeu, como o texto discutido no Congresso Nacional, diz Ronaldo Lemos, cientista-chefe do ITS-Rio. "A Europa é muito diferente do Brasil. Precisamos de uma lei brasileira, que atenda às necessidades e aspirações do país."

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Ela não copia ninguém. Ao contrário, vai ser copiada e respeitada globalmente como um modelo original e que apresenta um norte claro de onde quer chegar. E o norte é esse: o Brasil como potência global em IA aberta, capaz de usar a tecnologia para se desenvolver e melhorar a vida das pessoas e competitividade do país. Nenhum vento ajuda quem não sabe para onde veleja.
Ronaldo Lemos, cientista-chefe do ITS-Rio
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A lei goiana acrescenta algumas pitadas de imprevisibilidade a um cenário já imprevisível. Está prevista para a semana que vem a instalação da Comissão Especial para analisar o PL da IA na Câmara. Diante de muitas incertezas, duas coisas são certas. Alguns tópicos, celebrados como vitórias por alguns setores, serão reavaliados —é o caso da remuneração de dados usados para treinar IA. E pontos críticos, aparentemente superados, voltarão à mesa, como a dicotomia regulação x inovação, a classificação de alto risco atribuída a algumas aplicações de IA e o papel central da ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados).

Há ainda a conjuntura, que se tornou instável. Quando a proposta nacional nasceu, o mundo estava em franca corrida para regular a IA. Agora, a Europa deu um passo atrás com sua legislação, os Estados Unidos revogaram sua medida e trabalham em um plano nacional e o Brasil pode ver na lei pioneira de Goiás um modelo legislativo. Pode servir de espelho ou sombra. Depende dos deputados.

Ainda que suspeito para falar por ser um dos pais da criança, Ronaldo Lemos já tem sua preferência.

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Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.

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Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do informado inicialmente, Goiás é o segundo estado a editar uma lei sobre inteligência artificial. O Paraná foi o primeiro, com legislação sancionada em abril de 2025.

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