Como Hyundai se tornou a discreta quarta força do mercado brasileiro

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Até o início dos anos 90, havia quatro montadoras de automóveis no Brasil: Volkswagen, Fiat, Chevrolet e Ford. Mas, naquela época, ocorreu a abertura das importações, com a chegada de diversas outras marcas. O fenômeno criou condições para, até o fim da década, parte delas se tornar fabricante.
Nesse cenário, surgiram as denominações "quatro grandes", em referência às veteranas, e "new comers", para as novatas. O primeiro grupo continuava dominando as vendas, mas logo surgiram as apostas sobre quando essa ordem seria abalada. E por qual fabricante.
Entre as "new comers" estavam japonesas como Toyota e Honda e francesas, a exemplo de Renault, Peugeot e Citroën. Mas nenhuma delas conseguiu abalar o "império das quatro grandes". A marca responsável pelo mérito acabou sendo uma surpresa, entre outras razões, por ter sido uma das últimas dessa leva a chegar como fabricante.
No segundo capítulo da série sobre montadoras que causaram reviravoltas no mercado brasileiro, o tema é a Hyundai, a discreta quarta força do mercado brasileiro. Foi a sul-coreana que conseguiu abalar o grupo das "quatro grandes". E isso antes de a Ford deixar de ser fabricante, algo que só ocorreria em 2021.
História
A trajetória da Hyundai tem participação fundamental do grupo brasileiro Caoa. A empresa passou a ser representante oficial da sul-coreana no Brasil. O sucesso não demorou. Como ocorre com as chinesas hoje, eram trazidos da Coreia do Sul modelos de qualidade por preços competitivos, em segmentos de médio e alto valor agregado.
O púbico se encantou com produtos como o sedã Azera. Logo, a Caoa começou a produzir no Brasil - mais precisamente, em Anápolis (GO) - SUVs como o Tucson e, posteriormente, sua nova geração. Esta, por conviver no País com a antiga, acabou recebendo o nome de ix35 no mercado nacional. Ambos fizeram sucesso.
No final da primeira década dos anos 2000, os sul-coreanos começaram a aparecer por aqui. Logo, estavam fazendo clínicas com diversos especialistas de mercado - eu fui uma das que participaram dessas reuniões. Ali, começavam a ficar claras algumas coisas.
A primeira era que a Hyundai se instalaria no Brasil por meio de uma subsidiária, sem parceria com o Grupo Caoa. A segunda é que passaria a atuar em segmentos mais populares. Mais precisamente, a categoria conhecida pelas fabricantes como "B", que o consumidor chama de carros compactos.
Essa estratégia é certeira no mercado brasileiro. As marcas começam mostrando o que têm de melhor, e criam uma imagem que desperta desejo. Depois, partem para segmentos mais populares (e de maior volume). Diversas novatas fizeram isso antes, e as chinesas seguem esse caminho atualmente (algo que não fizeram na primeira passagem pelo Brasil, entre dez e quinze anos atrás).
Nova fase
Mas não foi assim tão simples para os sul-coreanos. A Caoa, que afinal de contas foi quem fez o trabalho duro de construção da Hyundai no Brasil, tinha contrato com a marca. Assim, ficou estipulado que continuaria com a operação de importados, e também poderia montar produtos de maior valor agregado em Anápolis.
Já a nova subsidiária da Hyundai produziria na planta que estava erguendo em Piracicaba, no interior de São Paulo, produtos feitos sobre uma plataforma global, mas desenvolvidos especificamente para o Brasil. O primeiro a chegar foi o hatch HB20, em 2012, mesmo ano em que a Chevrolet lançou o Onix.
Os dois modelos protagonizariam, nos anos seguintes, as maiores brigas do mercado brasileiro. Uma batalha pelo primeiro lugar que, anteriormente, havia tido como personagens principais o Gol e o Palio.
Nesta batalha, o HB20 era Palio, pois acabou tendo de se contentar, ao menos até a pandemia, com o segundo lugar. Isso porque o novo Gol tinha nome: Onix. Este se tornou líder absoluto do mercado brasileiro. Ainda assim, o volume de seu hatch fortaleceu a marca sul-coreana no mercado nacional.
A conquista do quarto lugar
Depois do HB20, veio o sedã HB20S e, em seguida, o SUV Creta, outro campeão de vendas. Porém, dali em diante, mais nada. Os três produtos já tiveram duas mudanças profundas, que a marca chama de novas gerações. Mas nada de modelo inédito no mercado brasileiro.
Além disso, a marca Hyundai acabou se transformando em uma batalha judicial entre a subsidiária e a Caoa. Esta, já ciente de que sua representação não duraria muito, acabou voltando seus esforços para a chinesa Chery, criando a Caoa Chery.
Os modelos sul-coreanos foram deixados de lado pela Caoa. Porém, os direitos da brasileira dificultavam a expansão de linha da Hyundai, pois a subsidiária não podia trazer importados nem mesmo escolher livremente entre produtos de sua linha global para nacionalizar.
Nesse cenário difícil, a subsidiária se portou com descrição, oferecendo produtos de qualidade com preços competitivos - mesmo que essa competitividade estivesse mais nas ofertas do mercado do que nos preços de tabela.
A Hyundai apareceu pela primeira vez na quarta posição do ranking de vendas em 2016. Naquele ano, teve quase 200 mil emplacamentos. Ficou apenas 30 mil unidades atrás da então terceira colocada, VW (a Chevrolet liderou e a Fiat foi vice). Deixou a Ford para trás.
Em 2017, a Ford retomou o quarto lugar. Nos anos seguintes, essa posição se alternou entre a americana, a Renault e a Toyota. Porém, de 2022 em diante, a Hyundai se firmou como a quarta força do mercado brasileiro.
Presente e futuro
No ano passado, a Hyundai ficou cerca de 50 mil unidades atrás da Chevrolet, agora terceira colocada. Conquistar esse posto poderia ser um sonho cada vez mais próximo da realidade. Porém, na atual conjuntura, é praticamente impossível. Isso porque a discreta linha da Hyundai, que joga em segmentos certeiros, já chegou ao limite.
Para ir além, a marca precisaria de mais um ou dois produtos. O ideal seria nos segmentos de SUVs médios e, principalmente, no de picapes (neste, a Chevrolet tem duas representantes com bons volumes, Montana e S10). A sul-coreana tem um produto perfeito para o mercado nacional.
Trata-se da picape Santa Cruz, que poderia ser uma concorrente à altura da Fiat Toro. Porém, esta não usa a plataforma da linha HB20. A base é a do Tucson. Assim, a Hyundai já poderia, com uma arquitetura apenas, ter os dois produtos que fariam grande diferença em sua expansão no Brasil.
A disputa com a Caoa era um entrave nos planos, mas ela foi resolvida no ano passado. Agora, a subsidiária tem total controle sobre a marca. Só que, por enquanto, trouxe apenas importados de nicho, como o elétrico Ioniq 5 e o SUV "GGG" Palisade. Mais recentemente, chegou o híbrido Kona.
A nacionalização de mais veículos (como Tucson e Santa Cruz), ou mesmo o desenvolvimento de mais produtos exclusivos para o País, dependem de fatores que passam, principalmente, pela ampliação da capacidade produtiva. E, enquanto não bate o martelo, a Hyundai vem atuando como sempre fez desde a preparação da chegada da subsidiária: fazendo estudos de maneira discreta e até um tanto lenta, nos bastidores.
Estratégia esta que foi redondinha, até aqui, principalmente por deixar os consumidores brasileiros satisfeitos, sem interesse em deixar a marca. Afinal, quem diria que seria a Hyundai a novata a abalar a velha ordem das quatro grandes, um feito e tanto? Esperamos, porém, novidades em breve. Afinal, uma marca tão vencedora tende a querer sempre mais.
No próximo episódio da série, falaremos da marca que fez uma grande revolução em apenas três anos: BYD.
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